Crise Hídrica
Com passagens pelo comando da Agência Nacional de Águas (ANA) e da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), o engenheiro Jerson Kelman defende o modelo de Parcerias Público-Privadas para ampliar a segurança hídrica no país. Segundo ele, investimentos em saneamento e novas fontes de captação de água serão mais eficientes se forem contratados como prestação de serviços, e não como obras públicas. “Esse conceito de contratação pelo resultado, e não pela obra, é um salto qualitativo”, afirma. Para Kelman, que também passou pela presidência da Light, o poder público está amarrado pelo “excessivo” sistema de controle, pelo lobby das empreiteiras e por circunstâncias políticas, responsáveis pela falta de transparência sobre a dimensão das crises de água e de energia no período pré-eleitoral.
“Faltou, em São Paulo, dizer claramente à população que a situação era grave. Mas isso vale também para o governo federal na energia”, comenta o especialista (hoje de volta à Coppe/UFRJ), que não acredita, porém, em um cenário de desabastecimento. “A minha visão é de que, mesmo a longuíssimo prazo, tem água para todos. Mas a questão é tratada com um componente emocional muito forte”, afirma, defendendo a posição de São Paulo na briga pela captação de água do Rio Paraíba do Sul. Responsável pelo relatório que identificou as causas do racionamento de 2001, que levou seu nome, Kelman diz que o diagnóstico da crise energética atual é o mesmo da época: falta de garantias físicas das hidrelétricas.
“Faltou, em São Paulo, dizer claramente à população que a situação era grave. Mas isso vale também para o governo federal na energia”, comenta o especialista (hoje de volta à Coppe/UFRJ), que não acredita, porém, em um cenário de desabastecimento. “A minha visão é de que, mesmo a longuíssimo prazo, tem água para todos. Mas a questão é tratada com um componente emocional muito forte”, afirma, defendendo a posição de São Paulo na briga pela captação de água do Rio Paraíba do Sul. Responsável pelo relatório que identificou as causas do racionamento de 2001, que levou seu nome, Kelman diz que o diagnóstico da crise energética atual é o mesmo da época: falta de garantias físicas das hidrelétricas.
O que nos levou ao cenário de crise hídrica ?
Era uma situação característica do Nordeste
A hidrologia este ano, de fato, ali na região do Piracicaba, que abastece o Sistema Cantareira, não é só a pior da história, é disparada a pior da história. Nenhum hidrólogo poderia imaginar que isso pudesse acontecer. Se a afluência média no verão é 100, o pior ano histórico até então era metade disso. E este ano é metade da metade. É metade do pior. No São Francisco é também a pior do histórico. Não é uma seca trivial, é barra pesada.Como ampliar a segurança hídrica?
São Paulo já tinha feito um plano de macro metrópole, procurando fontes de abastecimento de água, porque não tem outra fonte local. E não tem também porque a água é muito poluída. Se o esgoto estivesse sendo coletado e tratado, os rios Pinheiros e Tietê seriam fontes de abastecimento. Então, antes mesmo da crise, ficou pronto um plano sobre onde buscar água para São Paulo. Mas aquilo era para ser visto a longo ou médio prazo, hoje é urgente, porque São Paulo não pode mais viver sem reforço. E aí há três possíveis locais. Uma possibilidade é tirar água do Alto Paraíba do Sul, mais especificamente da Represa de Jaguari. O problema é que se tirar dali, a água deixa de correr para cidades paulistas como São José dos Campos, Taubaté, e depois para as cidades fluminenses até Campos. E para complicar mais, em 1950, foi feita a transposição do Paraíba do Sul para o Guandu.Cinco metros cúbicos por segundo resolvem o problema de São Paulo?
Melhora muito, porque, com cinco metros cúbicos por segundo, São Paulo volta a ter a confiabilidade que imaginávamos ter. E pode tirar até mais. São Paulo vai crescer e não pode ficar fazendo obrinha. Mas, enquanto isso for visto como uma obra pública, vamos cair nessas armadilhas relacionadas à origem do dinheiro, e se o Estado do Rio deixa ou não deixa. Uma alternativa seria fazer desse problema uma oportunidade para uma PPP (Parceria Público-Privada). Em vez de obra pública, com dinheiro do PAC, imagine fazer uma licitação para colocar água no Cantareira, vencendo quem oferecer o menor preço por metro cúbico. Essa empresa privada teria que fazer todas as obras necessárias para viabilizar a captação, não só a adutora: resolveria o problema da poluição no Guandu e faria a nova captação de água para as indústrias. Seria uma solução em que ninguém perde. Quem oferecer o melhor preço, leva um contrato para vender água por 30 anos.Algumas alternativas
Uma é tirar água ao Sul, do Rio Juquiá, que tem várias usinas hidrelétricas. É uma obra cara, porque é longe, e o Juquiá está mais baixo que São Paulo, teria que subir uns 300 metros. Nessa alternativa também pode ser uma PPP, mas como o bombeamento é muito grande, o esquema devia ser um backup: continua tirando água do Sistema Cantareira e, em uma situação parecida com 2014, bombeia a água para lá. Nesse caso, teria que desligar as hidrelétricas, que são da CBA (Companhia Brasileira de Alumínio, do grupo Votorantim), e cuja concessão vence em 2016. Pode ser fazer uma nova licitação prevendo a parada das usinas nos anos críticos. E a terceira fonte é mais longínqua, é lá no Paranapanema, na divisa com o Paraná, na Represa Jurumirim, a 200 km da região metropolitana. Mas tem a vantagem de resolver uma série de problemas de abastecimento de cidades pelo caminho.Qual a melhor alternativa?
Acho que o Paraíba do Sul, que custa uns R$ 500 milhões. Mas, pode ser que tirar da Votorantim seja melhor. O problema é que os projetistas sempre imaginaram obras públicas, com as restrições políticas que existem. Quer dizer, já foi uma ousadia imaginar tirar 5 m³ por segundo do Paraíba do Sul porque o Rio ia chiar. É um falso problema, que só existe porque não se resolveu o saneamento. Se resolver, o problema não existe. A minha visão é que, mesmo a longuíssimo prazo, tem água para todos. Mas a questão é tratada com um componente emocional muito forte.O fato de as empresas de saneamento serem estatais é um obstáculo?
Não. O problema é que o motor que move o saneamento é o lobby da construção civil; não é o lobby da operação do sistema. Quem está no Congresso fazendo emenda ao orçamento está preocupado em construir, em inaugurar obra. Aí, depois de dois anos, se a obra estiver funcionando ou não, não tem problema. Temos um sistema perverso, porque o lobby é para construção, para maximização do custo, para inauguração e para o não funcionamento. Quando ouço na campanha política o cara dizer “Gastei tanto, vou gastar tanto”, penso: e daí? Não interessa quanto gasta; interessa é quando ficará pronto, se funciona ou não. E o segredo disso é a PPP, botar a iniciativa privada na história.No curto prazo, o Brasil corre risco de desabastecimento?
Nenhuma das obras sobre as quais falamos é para 2015. Olhando para trás, o governo fez a melhor política em relação à água? Claro que não. Porque era ano eleitoral. Não teve transparência, não teve a franqueza com a população que teve, por exemplo, o governo Fernando Henrique Cardoso em 2001. Lá, o governo disse que havia um problema grave. Fui coordenador de uma comissão em 2001 para explicar porque tinha havido o racionamento. Foi feito um relatório, que o setor elétrico chamou de relatório Kelman, que concluía que houve problema de governança. Eu fui entregar o relatório ao presidente e disse que, infelizmente, o governo não saía bem na fotografia. Mas o presidente determinou que comunicássemos à população que a situação era grave e que precisávamos adotar medidas. Uma coisa o governo de São Paulo fez: bônus para quem economizar. Mas não basta, quem usa mais água tem que levar uma pancada. Cerca de 50% da população de São Paulo diminuiu o consumo, cerca de um quarto ficou na mesma e um quarto aumentou. São os espertos. Esse pessoal tem comportamento antissocial e precisa ser penalizado. No racionamento em 2001, quem consumia mais do que a meta pagava uma multa. Em São Paulo, só teve a cenoura, não teve o tacape. Faltou também dizer claramente à população que a situação estava grave. Mas isso vale para o governo federal também na energia. Foi uma infelicidade que 2014 fosse um ano eleitoral, porque não se aplicou a mesma transparência, a mesma clareza de informações que tivemos em 2001. O Alckmin deve ter tido suas razões, porque em 2002 quem ganhou as eleições foi o Lula, e não o Serra. Esse deve ter sido o raciocínio dele. Mas sob o ponto de vista de governo, de interesse público, a atuação não foi a melhor, desperdiçou-se água e os reservatórios estão mais vazios do que deveriam.Não seria melhor fazer um racionamento compulsório?
Em energia elétrica é possível fazer, já foi feito no Rio nos anos 50, porque pode programar e ter baterias nos hospitais, pode de alguma forma se organizar. Em água, é um pouco mais complicado. Porque as tubulações estão sempre sob pressão e vazando água para o terreno. Quando esvazia o tubo, o terreno está encharcado de água poluída que passa a entrar pelos buracos da tubulação. Então, tem um risco de saúde pública. Têm razão aqueles que dizem para ter cuidado com racionamento. Então o prognóstico para 2015 é preocupante. A obra que está aí na pauta, de uso de água do Paraíba do Sul, já deveria estar sendo feita em regime emergencial, o mais rápido possível. Mas o Brasil caiu em uma armadilha de excesso de controle. A cada novo escândalo, a tendência da população é clamar por mais controle. No setor público, o mecanismo de controle de corrupção, de mau gasto, não tem a medida de eficiência, de qual é o custo do controle versus o custo de eficiência. A não ser na Receita Federal, que é um exemplo positivo. Então, o que tem acontecido é cada vez mais controle, mais burocracia. Na tentativa de inibir o comportamento deletério dos desonestos ou incompetentes, cria-se um monte de regras que restringe a capacidade de operar do honesto e do capaz. Na realidade, todo o incentivo para a administração pública é para não fazer nada. Se não fizer nada, não corre o risco.Uma chuva pode resolver?
Sim, eventualmente, pode chover. Mas eu prefiro esperar, porque é precoce falar de tragédia em novembro, início da estação chuvosa, seja em água, seja em energia. Mas, imaginando um verão que não chova nada, o que não é comum, nós vamos ter racionamento de energia e água em 2015. Porque vamos chegar a abril com estoque perto de zero.
Gente fiz a qui só um breve artigo sobre a crise hídrica, para vocês. É um assunto muito comentado hoje principalmente em SP...
Esse artigo foi sugerido por "Thiago Silva"
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